Escrever sobre nossa história é mais do que listar leis e datas. É revisitar cicatrizes, celebrar vitórias e, acima de tudo, reafirmar nossa existência. Como uma mulher trans, cada avanço legal ressoa em mim como um grito de liberdade, um passo a mais rumo a um futuro onde nossa humanidade seja plena e inquestionável. Por isso, quero compartilhar essa cronologia de conquistas não apenas como um registro histórico, mas como um testemunho vivo de nossa resiliência e força.
Os Primeiros Raios de Reconhecimento
Lembro de ouvir falar de Kátia Tapety. Em 1992, ela se tornou a primeira pessoa trans eleita para um cargo público no Brasil. Para muitas de nós, aquilo foi como um farol, uma fagulha de esperança em meio a tanta invisibilidade. Ver uma de nós ocupando um espaço de poder era a prova de que nossa voz podia ser ouvida.
Em 1997, a autorização do Conselho Federal de Medicina para as cirurgias de redesignação sexual (hoje, processo transexualizador) representou um avanço importante. Era o reconhecimento, ainda que inicial, de que nossa identidade de gênero era legítima e merecia ser respeitada. A criação da bandeira do orgulho trans por Monica Helms em 1999 nos deu um símbolo, uma forma de nos reconhecermos e nos unirmos em uma comunidade.
Construindo Nossos Alicerces
O ano de 2004 marcou a instituição do Dia Nacional da Visibilidade Trans. Finalmente, tínhamos um dia dedicado a nós, para falar sobre nossas vidas, nossos desafios e nossas demandas. Em 2006, a garantia do uso do nome social no SUS foi uma vitória imensa. Quantas vezes fomos chamadas por um nome que não nos representava, sentindo a dor da invalidação a cada chamada? O nome social, para nós, é muito mais do que um nome: é a afirmação de nossa identidade.
Em 2008, o início das cirurgias pelo SUS ampliou o acesso a um direito que antes era inacessível para muitas de nós. A criação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT em 2011 trouxe a esperança de políticas públicas mais abrangentes e inclusivas.
Expandindo Nossos Horizontes
2015 foi um ano importante, com a inclusão do nome social em escolas, universidades e boletins de ocorrência. Isso significava que, aos poucos, estávamos sendo reconhecidas em diferentes espaços sociais. O Decreto nº 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero na administração pública federal, foi um passo crucial para garantir nossos direitos nos órgãos públicos. (Fonte: Decreto nº 8727 – Planalto)
Em 2018, a possibilidade de retificar o nome e gênero diretamente em cartório simplificou um processo que antes era burocrático e doloroso. Finalmente, podíamos ter nossos documentos refletindo quem realmente somos.
Conquistas Históricas
2019 ficará marcado na história com duas decisões importantíssimas: a equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo pelo STF e a retirada da transexualidade da lista de transtornos mentais pela OMS. A criminalização da LGBTfobia nos protege da violência e da discriminação, enquanto a despatologização reconhece nossa identidade como uma variação natural da experiência humana.
Em 2022, a decisão de que mulheres trans são protegidas pela Lei Maria da Penha foi um avanço significativo na proteção contra a violência doméstica e familiar. (Fonte: ABI+DIVERSO | Normativas relacionadas à comunidade trans)
Nossa Luta Continua
Cada lei, cada decreto, cada vitória é fruto da luta incansável de ativistas, aliadas e, principalmente, de mulheres e homens trans e travestis que nunca desistiram de lutar por seus direitos. Mas sabemos que a jornada não acabou. A violência, o preconceito e a transfobia ainda são realidades presentes em nossas vidas. Precisamos continuar lutando por igualdade, respeito e dignidade.
É importante lembrar também de outras legislações importantes, como a Resolução nº 270/2018 do CNJ, que garante o uso do nome social nos serviços judiciários. (Fonte: Você sabia que pessoas trans e travestis têm direito a serem tratadas pelo nome social?)
“Foi por meio de vozes como as que você lê aqui que pude superar o estigma e a proibição ― primeiro, em relação à homossexualidade; depois, para me perceber trans.”
LAERTE (TRECHO DO PREFÁCIO DESTE LIVRO)
Este texto é um pedaço da nossa história, contada por uma de nós. Que ele sirva de inspiração para continuarmos juntas, construindo um futuro onde todas as pessoas trans e travestis possam viver com dignidade e plenitude.
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